
Quando éramos miúdos e estávamos em Lourenço Marques, apareceu lá em casa um cão. Trouxera-o o boémio da família: o pai. Como toda a gente sabe, os cães adoram os bêbedos e as noctívagos pois são os únicos com quem podem falar. Os bêbedos e noctívagos respondem bem aos bichos e lá se entendem. Pois aquele cachorro tinha franqueado as portas da nossa casa com o nosso pai e, mais tarde, as portas dos nossos corações.
De manhã a mãe disse logo que eram coisas do vosso pai e ficámos a olhá-lo para lhe escolher um nome. Desde Napoleão a Zacarias, passando pelos Pilotos, tudo foi aventado. Até que uma voz disse: “É um “fox terrier”. À palavra fox o bicho ergueu a cabeça e as orelhas. Gostou da sonora palavra. Ficou Fox para a eternidade.
E o Fox passou a ser a companhia de uma menina e três rapazes. Ia não só para a praia connosco, como também para a prancha de saltos, o que deixava marcas das suas unhas nas costas de meus irmãos. No regresso, parávamos numa quinta abandonada onde só havia para roubar, limões enormes e azedos. Mas com aquele calor e sede, marchava tudo – era a pausa para os limões que o Fox também comia de focinho arreganhado: não gostava mas comia! Bravo e solidário cão!
Decorria assim a nossa vida entre a praia da Polana, a caça aos gála-gálas e os estudos, quando, numa manhã, demos pelo desaparecimento do Fox. Foi o bom e o bonito. Toda a gente a berrar por ele, os meus irmãos a correrem os arredores e a minha mãe espantada enquanto o pai dormia.
A mágoa invadiu-nos durante três dias. Até os dois gatos (o “Espadinha até à última” e o “Dom Fuas”) deram pela sua falta, pois tinham por hábito fazerem a sesta sob a sua pata protectora. Foi quando a mãe nos contou o telefonema que tinha recebido.
- Pois a senhora é a dona do Fox, aliás, César. Quando o cão lhe desapareceu, ela pôs toda a gente, amigos e conhecidos em campo, à procura do bicho. Localizado que foi, havia que tirar referências. Que foram boas. O cão era estimado e estava feliz com os meninos. A senhora não tem filhos e compreendeu a felicidade do Fox-César em viver connosco.
Passados uns três meses, numa manhã à hora da escola, aparece o Fox. Não vinha visitar-nos, não. Vinha matar saudades por uns meses. E durante mais de um ano, ele andou cá e lá, acarinhando ora uns donos ora outros, até que ficou por lá definitivamente… enfim, eram os seus primeiros donos e amigos.
Por ser verdadeira se conta esta história, que vai acompanhada de uma enorme nostalgia.
A.M
Sem comentários:
Enviar um comentário